domingo, 30 de março de 2008

Estudo do Espiritismo-Capítulo 3 - O Tríplice Aspecto do Espiritismo

No prólogo de o livro “O Que é o Espiritismo”, Allan Kardec define o Espiritismo como sendo: "Uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bem como das suas relações com o mundo espiritual."
Em outra passagem, ainda na mesma obra, o Codificador acrescenta ainda:
"O Espiritismo é ao mesmo tempo ciência experimental e Doutrina Filosófica. Como ciência prática, tem a sua essência nas relações que podem ser estabelecidas com os espíritos.
Como filosofia compreende todas as consequências morais decorrentes dessas relações."
Pode-se observar no pensamento do Codificador, que o Espiritismo se reveste assim de três aspectos distintos, mas complementares:
a) Ciência Experimental;
b) Doutrina Filosófica;
c) As consequências morais decorrentes das duas anteriores.
Emmanuel, em [O Consolador] nos diz:
"Podemos tomar o Espiritismo, simbolizado como um triângulo de forças espirituais. A ciência e a filosofia vinculam à Terra essa figura simbólica, porém, a religião é o ângulo divino que a liga ao céu."
Em outra mensagem mediúnica, o benfeitor acrescenta:
"Não será justo no nosso movimento libertador da vida espiritual, prescindir da ciência que estuda, da filosofia que esclarece e da religião que sublima."

Espiritismo e Ciência
No aspecto científico, o Espiritismo demonstra a existência da alma e a sua imortalidade, principalmente através do intercâmbio mediúnico entre os encarnados e desencarnados.
O espiritismo preocupa-se em estudar a intimidade do fenómeno mediúnico, as suas consequências na vida das pessoas, bem como as características do ser espiritual, a sua origem, a sua natureza e o seu destino.
O aspecto científico do Espiritismo desenvolve-se em duas obras de Allan Kardec, o Livro dos Médiuns e A Génese.

Espiritismo e Filosofia
Quando o Homem pergunta, interroga, cogita, quer saber o "como" e o "porquê" das coisas, dos factos, dos acontecimentos, nasce a filosofia que mostra o que são as coisas e porque são as coisas.
No aspecto filosófico, o Espiritismo preocupa-se com os problemas do Homem, com as suas dúvidas, as suas questões, a sua condição de ser eterno em busca da Divindade, através de múltiplas existências físicas. Vai examinar os atributos da Divindade, as suas relações com o Homem e vai apresentar um código de moral através do qual a criatura se identificará, um dia, com o seu Criador. O aspecto filosófico encontra-se tocado no Livro dos Espíritos.

Espiritismo e Religião
Ao ser questionado quanto ao aspecto religião do Espiritismo, o médium Francisco Cândido Xavier assim se manifestou [Entrevistas – item 97]:
"Poderíamos figurar, por exemplo, a Ciência como sendo a verdade, a Religião, como sendo a vida e a Filosofia como sendo a indagação da criatura humana entre a Verdade e a Vida. Todos os três aspectos são muito importantes, porque a Filosofia estuda sempre, a Ciência descobre sempre, mas a Vida actua sempre. Todos esses aspectos são essenciais, mas a Religião é sempre a mais importante, porque a verdade é uma luz que a todos chegaremos, a indagação é um processo do que todos participamos, mas a vida não deve ser sacrificada nunca e a Religião assegura a vida, assegurando a ordem da vida."
Como religião, o Espiritismo preocupa-se com as consequências morais do ensino científico- filosófico, buscando, na ética pregada por Jesus, os elementos que deverão ser a meta e a conduta do Homem.
No entanto, o Espiritismo não se trata de uma Religião constituída, tradicional, estruturada através de rituais, sacramentos, dogmas e classes sacerdotais. Mas sim, uma religião no sentido etimológico do termo, como "religare", ou seja, elemento de ligação da criatura com o Criador. Religião como atitude de vida, como modo de proceder, buscando uma identificação com Deus, não através de atitudes exteriores, artificiais, mecanizadas, mas através de uma vida recta, digna e fraterna.
O Espiritismo não se pode considerar uma religião a mais, visto que não tem cultos instituídos, nem imagens, nem rituais, nem mitos, nem crendices, nem tão pouco sacerdotes remunerados. Podemos porém, considerá-lo no seu aspecto religioso quando estabelece um laço moral entre os homens, conduzindo-os em direcção ao Criador, através da vivência dos ensinamentos morais do Cristo. É no seu aspecto religioso que assenta a sua grandeza divina, por constituir a restauração do Evangelho de Jesus, estabelecendo a renovação definitiva do homem, para a grandeza do seu imenso futuro espiritual.
O aspecto religioso é desenvolvido por Kardec nas obras o Evangelho Segundo o Espiritismo e no Céu e Inferno.

Deus e os atributos da Divindade
No Livro dos Espíritos, o capítulo I trata exclusivamente de Deus. Allan Kardec pretendeu assim demonstrar, com isso, que o Espiritismo tem na existência de Deus o seu primeiro princípio basilar.
Deus, porém, não pode ser percebido pelo homem na sua divina essência. Mesmo depois de desencarnado, dispondo de faculdades perceptivas menos materiais, não pode ainda o espírito perceber totalmente a sua natureza divina.
Pode, entretanto, o homem, ainda no estágio de inferioridade em que se encontra, ter convincentes provas de que o espírito existe. Esta provas se assentam na razão e no sentimento.
Racionalmente, a prova da existência de Deus encontramo-la neste axioma: "Não há efeito sem causa."
Vemos constantemente uma imensidade de efeitos cuja causa não está na humanidade, pois a humanidade é impotente para produzi-los. A causa, portanto, está acima da humanidade. É a esta causa que se chama Deus, Jeová, Alá, Fo-Hi, etc.
Outro princípio igualmente elementar e que de tão verdadeiro passou a axioma é o de que "todo efeito inteligente tem que decorrer de uma causa inteligente."
Os efeitos referidos acima absolutamente não se produzem ao acaso, fortuitamente e em desordem.
Desde a organização do mais pequenino insecto e da mais insignificante semente, até a lei que rege os mundos que circulam no espaço, tudo atesta uma ideia directora, uma combinação, uma providência que ultrapassa todas as combinações humanas. A causa é, pois, soberanamente inteligente. Alguns atribuem a formação primária das coisas a uma combinação da matéria, isto é, ao acaso. Isto constitui uma insensatez, pois o acaso é cego e não pode produzir os efeitos que a inteligência produz. Um acaso inteligente já não seria acaso.
Kardec lembra um provérbio que diz: “Pela obra se reconhece o autor.” Vejamos a obra e procuremos o autor. O homem orgulhoso nada admite acima de si. Procurando a causa primária da obra do Universo, se reconhece no seu autor uma inteligência suprema, superior à humanidade.
Para crer-se em Deus, basta que se lance o olhar sobre as obras da Criação. O universo existe, logo tem uma causa. Duvidar da existência de Deus é negar que todo o efeito tem uma causa e adiantar que o nada pode fazer alguma coisa.
Pelo sentimento, pode o homem, ainda compreender a existência de Deus, porque há no homem, desde o mais primitivo até ao mais civilizado, a ideia inata da existência de Deus. Acima pois, do raciocínio lógico, prova-nos a existência de Deus a intuição que dele temos.
O sentimento instintivo que todos os homens têm da existência de Deus é, sem dúvida, uma forte evidência da Sua realidade. Esse sentimento não é fruto de uma educação, resultado de ideias adquiridas pois ele é universal, encontra-se mesmo entre os selvagens a que nenhum ensinamento a respeito foi ministrado.
Os povos selvagens nenhuma revelação tiveram, no entanto, crêem instintivamente na existência de um poder sobre-humano.

O Que é Deus?
Com respeito ao conceito de Deus segundo o Espiritismo, sabendo-se que limitar Deus a uma única definição é impossível.
Allan Kardec em o livro dos espíritos, questão 1 indaga aos Espíritos sobre a Divindade. De forma lógica, não usa a forma
“Quem é Deus?” que daria um sentido de personificação, uma ideia antropomórfica, mas busca ele a natureza íntima, a essência das coisas, formulando a proposição desta forma: “Que é Deus?”; ao que os Espíritos respondem:
"Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas."
Mas quando Kardec procura desenvolver esta definição dos espíritos indagando se poderíamos aprofundar no entendimento da Divindade, os benfeitores afirmam:
"Não. Falta-lhe, para tanto, um sentido."
E acrescentam:
"Quando o seu espírito não estiver mais obscurecido pela matéria, e pela sua perfeição tiver se aproximado Dela, então A verá e A compreenderá." (Livro dos Espíritos – Questões 10 e 11)

Atributos da Divindade
Afirma Allan Kardec, baseado no pensamento dos Espíritos Superiores, que não é dado ao homem sondar a natureza íntima de Deus. Para compreendê-lo, ainda nos falta o sentido próprio, que só se adquire
por meio da completa depuração do espírito.
Mas, se não pode penetrar na essência de Deus, o homem pode, pelo raciocínio, chegar a conhecer-lhe os atributos necessários, suas qualidades básicas, porquanto, vendo o que ele absolutamente não pode ser, sem deixar de ser Deus, deduz daí o que ele deve ser.
Sem o conhecimento dos atributos de Deus, impossível seria compreender-se a obra da Criação.
Esse o ponto de partida de todas as crenças religiosas e é por não se terem reportado a isso, como ao farol capaz de as orientar, que a maioria das religiões errou nos seus dogmas. As que não atribuíram a Deus a omnipotência imaginaram muitos deuses, as que não lhe atribuíram soberana bondade fizeram dele um Deus cioso, colérico, parcial e vingativo.
Podemos assim dizer que Deus é a SUPREMA e SOBERANA INTELIGÊNCIA, ETERNO, IMUTÁVEL, IMATERIAL, OMNIPOTENTE, SOBERANAMENTE JUSTO e BOM, INFINITAMENTE PERFEITO e ÚNICO.
-) Suprema e Soberana Inteligência: é limitada a inteligência do homem, pois que não pode fazer, nem compreender tudo o que existe. A de Deus, abrangendo o infinito, tem de ser infinita. Se a supuséssemos limitada num ponto qualquer, poderíamos conceber outro ser mais inteligente, capaz de compreender e fazer o que o primeiro não faria e assim por diante, até ao infinito.

-) Eterno: Deus não teve começo e não terá fim. Se tivesse tido princípio, houvera saído do nada. Ora, não sendo o nada coisa alguma, coisa nenhuma pode produzir. Ou, então, teria sido criado por outro ser anterior, nesse caso, este ser é que seria Deus. Se lhe supuséssemos um começo ou fim, poderíamos conceber uma entidade existente antes dele e capaz de lhe sobreviver, e assim por diante, ao infinito.

-) Imutável: se estivesse sujeito a mudanças, nenhuma estabilidade teriam as leis que regem o universo.

-) Imaterial: a natureza de Deus difere de tudo o que chamamos matéria. De outro modo, não seria imutável, pois estaria sujeito às transformações da matéria.
-) Omnipotente: se não possuísse o poder supremo, sempre se poderia conceber uma entidade mais poderosa e assim por diante, até chegar-se ao ser cuja potencialidade nenhum outro ultrapassasse.
Então esse é que seria Deus.

-) Soberanamente Justo e Bom: a providencial sabedoria das leis divinas se revela nas mais pequeninas coisas, como nas maiores, não permitindo essa sabedoria que se duvide da sua justiça, nem da sua bondade.

-) Infinitamente Perfeito: é impossível conceber-se Deus sem o infinito das perfeições, sem o que não seria Deus, pois sempre se poderia conceber um ser que possuísse o que lhe faltasse. Para que nenhum ser possa ultrapassá-lo, faz-se mister que ele seja infinito em tudo.

-) Único: a unicidade de Deus é consequência do facto de serem infinitas as suas perfeições.
Não poderia existir outro Deus, salvo sob a condição de ser igualmente infinito em todas as coisas, visto que se houvesse entre eles a mais ligeira diferença, um seria inferior ao outro, subordinado ao poder desse outro e então, não seria Deus. Se houvesse entre eles igualdade absoluta, isto equivaleria a existir de toda eternidade, um mesmo pensamento, uma mesma vontade, um mesmo poder. Confundidos assim, quanto à
identidade, não haveria, em realidade, mais do que um único Deus.

A Providência Divina
A providência é a solicitude de Deus para com as suas criaturas, o cuidado permanente e o interesse infinito que o Criador tem pela sua obra maior, que é o espírito.
Deus está em toda parte, tudo vê, a tudo preside, mesmo às coisas mais mínimas. É nisto que consiste a acção providencial.
Deus, em relação às suas criaturas, é a própria Providência, na sua mais alta expressão, infinitamente acima de todas as possibilidade humanas. Manifesta-se em todas as coisas, está imanente no universo e se exerce através de leis admiráveis e sábias. Tudo foi disposto pelo amor do Pai, soberanamente bom e justo, para o bem dos seus filhos, desde as mais elementares providências para a manutenção da vida orgânica até à dispersão da faculdade superior do livre arbítrio, que dá ao homem o
mérito da conquista consciente da felicidade.
Deus tudo fez e tudo faz para o bem das criaturas. Imprimiu-lhes na consciência todas as leis morais e, em relação à humanidade terrestre, ainda se manifestou quando nos confiou a Jesus.

Bibliografia e referências
a) [LE] O Livro dos Espíritos - Allan Kardec
b) [GEN] A Gênese - Allan Kardec
c) O que é o Espiritismo - Allan Kardec
d) Livro dos Espíritos - Allan Kardec
e) Allan Kardec (Vol. III) - Zêus Wantuil e Francisco Thiesen
f) O Consolador - Emmanuel/Chico Xavier
g) Entrevistas - Emmanuel/Chico Xavier

segunda-feira, 24 de março de 2008

Curso de Introdução à Doutrina Espírita - Cap. 2º. As Três Revelações

Cap. 2º. As Três Revelações
2.1 - Introdução
Revelar significa, literalmente, sair sob o véu, e, figuradamente, descobrir, dar a conhecer uma coisa secreta ou desconhecida.
A característica essencial de qualquer revelação tem de ser a verdade. Revelar o segredo é tornar conhecido um facto; se é falso, já não é um facto e, por consequência, não existirá revelação.
No sentido especial da fé religiosa, a revelação se refere, mais particularmente, das coisas espirituais que o homem não pode descobrir por meio da inteligência, nem com o auxílio dos sentidos, e cujo conhecimento lhe dá Deus através dos Seus mensageiros, quer por meio da palavra directa, quer pela inspiração. Neste caso, a revelação é sempre feita a homens predispostos, designados sob o nome de
profetas ou messias.
Todas as religiões tiveram os seus reveladores, e estes, embora longe estejam de conhecer toda a verdade, tinham uma razão de ser providencial, porque eram apropriados ao tempo e ao meio em que viviam, ao carácter particular dos povos a quem falavam, e aos quais, eram relativamente superiores.
Allan Kardec [GEN-cap I] assevera-nos que três foram as grandes revelações da Lei de Deus:
a primeira representada por Moisés;
a segunda por Jesus;
e a terceira e última revelação pelo Espiritismo.
Em [O Consolador], o benfeitor Emmanuel tange ao tema da seguinte forma:
"Até agora a Humanidade da era cristã recebeu a grande Revelação em três aspectos essenciais: Moisés trouxe a missão da Justiça; o Evangelho, a revelação insuperável do Amor e o Espiritismo, na sua feição de Cristianismo redivivo, traz, por sua vez, a sublime tarefa da Verdade."



2.2 - Primeira Revelação: Moisés
Moisés, como profeta, revelou aos homens a existência de um Deus único e soberano Senhor e orientador de todas as coisas; promulgou a lei do Sinai e lançou as bases da verdadeira fé. Como homem, Moisés foi o legislador do povo pelo qual essa primitiva fé, purificando-se, havia de se espalhar por toda a Terra.
Emmanuel nos diz:
"Moisés trazia consigo as mais elevadas faculdades mediúnicas, apesar das suas características de legislador humano. É inconcebível que o grande missionário dos judeus e da Humanidade pudesse ouvir o espírito de Deus. Estais, porém habilitados a
compreender que a Lei, ou a base da Lei (os Dez Mandamentos), foi-lhe ditada pelos emissários de Jesus.
Examinando-se os seus actos enérgicos de homem, há ainda que considerar as características da época em que se verificou a sua grande tarefa. Com expressões diversas, o grande enviado não poderia dar conta exacta das suas preciosas obrigações,
em face da Humanidade ignorante e materialista."


2.2.1 - A Lei Mosaica
Existem duas partes distintas na lei mosaica: a lei de Deus, promulgada sobre o Monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar, estabelecida pelo próprio Moisés. Uma é invariável; a outra é apropriada aos costumes e ao carácter do povo e modifica-se com o tempo.
A primeira, é lei de todos os tempos e de todos os países, e tem, por isso mesmo, um carácter divino.
A segunda, foi criada pelo missionário para manter o temor de um povo naturalmente turbulento e indisciplinado, no qual tinha de combater abusos arraigados e preconceitos adquiridos durante a servidão do Egipto.
André Luiz, referindo-se à parte divina da Lei Mosaica, diz-nos:
"Os Dez Mandamentos recebidos mediunicamente pelo profeta, brilham ainda hoje por alicerce de luz na edificação do Direito, dentro da ordem social."

O Decálogo ou os dez mandamentos
1. Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egipto, da casa da servidão. Não terás deuses estrangeiros diante de mim. Não farás para ti imagens de escultura, nem figura alguma de tudo o que há em cima no Céu, e do que há em baixo na terra, nem de coisa que haja nas águas, debaixo na terra. Não andarás, nem lhes darás culto.

2. Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão.

3. Lembra-te de santificar o dia de sábado.

4. Honrarás a teu pai e a tua mãe, para teres uma dilatada vida sobre a Terra.

5. Não matarás.

6. Não cometerás adultério.

7. Não furtarás.

8. Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.

9. Não desejarás a mulher do próximo.

10. Não cobiçarás a casa do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem outra coisa alguma que lhe pertença.
Fonte: [ESE-cap I]

2.3 - Segunda Revelação: Jesus
A segunda grande revelação da Lei de Deus, na concepção de Kardec, foi apresentada por Jesus.
Segundo o benfeitor André Luiz [Evolução em Dois Mundos]:
"Com Jesus, a religião, como sistema educativo, alcança eminência inimaginável. Nem templos de pedras, nem rituais. Nem hierarquias efémeras, nem avanço ao poder humano. O Mestre desaferrolha as arcas do conhecimento enobrecido e distribui-lhe os tesouros."
Allan Kardec, examinando a Revelação Cristã, lembra que "O Cristo, tomando da antiga lei o que é eterno e divino e rejeitando o que era transitório, puramente disciplinar e de concepção humana, acrescentou a revelação da vida futura, de que Moisés não falara, assim como a das penas e recompensas que aguardam o homem depois da morte."
Acrescenta Kardec que a filosofia cristã estava sedimentada numa concepção inteiramente nova da Divindade. Esta já não era mais a concepção de um Deus terrível, ciumento, vingativo, como O apresentava Moisés, mas um Deus clemente, soberanamente bom e justo, cheio de mansidão e misericórdia, que perdoa ao vicioso e dá a cada um segundo as suas obras. Enfim, já não é o Deus que quer ser temido, mas o Deus que quer ser amado.

2.3.1 - Quem é Jesus?
Lembra-nos o Espírito Emmanuel, que "De forma alguma poderíamos fazer um estudo minucioso da psicologia de Jesus, por nos faltar maturidade espiritual para tanto."
No entanto, a respeito do Messias, sabe-se que foi Ele o Enviado de Deus, a representação do Pai junto ao rebanho de filhos transviados do seu amor e da sua sabedoria. Director angélico do orbe terreno,
acompanhou todo o processo de formação da Terra, o primórdio da vida no planeta, e vem seguindo, com a mais extremada atenção, a todos os espíritos que vinculados a este orbe.
Mostra ainda Emmanuel que Jesus não pode ser compreendido como um simples filósofo, tendo-se em conta os valores divinos da sua hierarquia espiritual, conseguidos à custa de inumeráveis encarnações em mundos, hoje já inexistentes.
Esteve encarnado no nosso planeta uma única vez, e tornou-se, na expressão do Codificador, o "modelo e guia para a humanidade", haja vista ter sido Jesus o único Espírito Puro a envolver-se na materialidade da Terra.

2.3.2 - Os Evangelhos
A Mensagem Cristã encontra-se distribuída nos quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), nas Epístolas apostólicas, nos Actos dos Apóstolos e no Apocalipse de João.
Uma análise crítica dos Evangelhos e das Cartas Apostólicas, leva-nos, naturalmente, ao encontro de algumas passagens pouco aceitáveis, ilógicas ou até mesmo absurdas: "A tentação no deserto", "A expulsão dos vendilhões do templo" e muitos pensamentos colocados na boca de Jesus, não resistem a uma análise racional por se encontrarem em evidente contradição com os mais elementares princípios da lógica, da justiça e da caridade.
Estes desencontros evangélicos em nada desmerecem a obra, que é, segundo Kardec, "código universal da moral", mas despertam a nossa atenção para alguns detalhes vinculados a ela:

a) As Adulterações Involuntárias: Jesus nada escreveu. Acredita-se que as primeiras anotações tenham surgido muito tempo depois da sua morte. Marcos, Lucas e Paulo não chegaram a conhecer o Messias e, portanto, colheram e reuniram informações de outras fontes. Todos essas evidências levam-nos a acreditar que determinadas colocações apresentadas nos Evangelhos não correspondem à realidade absoluta dos
factos. Certamente, ocorreram adulterações involuntárias.

b) Os Enxertos dos Evangelistas: analisando com atenção os evangelhos, notamos, que uma preocupação básica ocupava a mente dos evangelistas: provar que Jesus era de facto o Messias aguardado pelos judeus. Para que a Mensagem cristã viesse a vingar na Palestina, esta ideia deveria prevalecer. Acredita-se então, que algumas passagens da Boa Nova não ocorreram realmente, mas foram acrescentadas às anotações com esse mesmo objectivo. "O nascimento de Jesus em Belém", "a hipotética viagem ao Egipto", a "Tentação no deserto" e muitas outras passagens teriam sido enxertadas para provar a tese de que Jesus era o Salvador dos Judeus, o Enviado de Jeová.

c) As Adulterações Posteriores da Igreja: muitas anotações verificadas nos textos bíblicos de hoje não são identificadas nas versões originais, mostrando que foram acrescentadas posteriormente. Para justificar certos dogmas, alguns sacramentos e determinadas práticas religiosas, certos representantes da Igreja, ainda nos primeiros séculos da era Cristã, acrescentaram aos textos originais ideias, princípios e passagens que na realidade não ocorreram.

2.4 - Terceira Revelação: Espiritismo
Allan Kardec apresenta o Espiritismo como sendo a Terceira Revelação da Lei de Deus, o Consolador prometido aos homens por Jesus, conforme anunciado por [João-XIV:15-17,26]:
"Se me amais, guardai os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai e Ele vos
dará outro Consolador, para que fique eternamente convosco, o Espírito da Verdade, a quem o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece. Mas vós o conhecereis, porque ele ficará convosco e estará em vós. - Mas o Consolador, a quem o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito."
Kardec, examinando o tema, afirma:
"O Espiritismo vem, no tempo assinalado, cumprir a promessa do Cristo. Ele chama os homens à observância da lei; ensina todas as coisas, fazendo compreender o que o Cristo só disse em parábolas. O Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos porque ele fala sem figuras e alegorias."
Da mesma maneira que Jesus não veio destruir a lei mosaica, apresentada 15 séculos antes Dele por Moisés, assim também o Espiritismo não vem derrogar a lei cristã mas sim completá-la, desenvolvê-la, enriquecê-la.
Nesse sentido, o Espiritismo se propõe a revelar tudo aquilo que Jesus não pode dizer àquela época em função da pouca maturidade espiritual de sua gente. Ele é, portanto, obra do Cristo, que o preside e o acompanha, objectivando a recuperação moral da humanidade.

2.4.1 - O Carácter da Revelação Espírita
Do ponto de vista de uma revelação religiosa, o Espiritismo apresenta algumas características particulares:
• Estruturação Colectiva
A primeira revelação teve a sua personificação em Moisés, a segunda no Cristo, a terceira não a tem em indivíduo algum; as duas primeiras foram individuais, a terceira colectiva; aí está um carácter essencial de grande importância. Ela é colectiva no sentido de não ser feita ou dada como privilégio a pessoa alguma; ninguém, por consequência, pode inculcar-se como seu profeta exclusivo; foi espalhada simultaneamente, por sobre a Terra, a milhões de pessoas, de todas as idades e condições, desde a mais baixa até a mais
alta da escala.
Lembra Kardec:
"Que as duas primeiras revelações, sendo fruto do ensino pessoal ficaram forçosamente localizadas, isto é, apareceram num só ponto, em torno do qual a ideia se propagou pouco a pouco; mas foram precisos muitos séculos para que atingissem as extremidades do mundo, sem mesmo o invadirem inteiramente. A terceira tem isto de particular: não estando personificada num só indivíduo, surgiu simultaneamente em milhares de pontos diferentes, que se tornaram centros ou focos de irradiação."
• Origem Humano- Espiritual
Surgindo o Espiritismo numa época de emancipação e madureza espiritual, em que a inteligência, já desenvolvida, não se resigna a representar papel passivo; em que o homem nada aceita às cegas, mas quer ver aonde o conduzem, quer saber o porquê e o como de cada coisa - tinha ela de ser ao mesmo tempo o produto de um ensino e o fruto do trabalho, da pesquisa e do livre exame. Assim sendo, os Espíritos propõem-se a ensinar somente aquilo que é mister para guiar o homem no caminho da verdade,
mas se abstêm de revelar o que o homem pode descobrir por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir, verificar e submeter tudo ao cadinho da razão, deixando mesmo, muitas vezes, que adquira experiência à sua custa. Fornecem-lhe o princípio, os materiais; cabe-lhe, a ele, aproveitá-los e pô-los em obra.
O Espiritismo, portanto, tem uma dupla origem: espiritual, pois a sua estrutura doutrinária foi em grande parte ditada por Espíritos Superiores preparados para este mister; e nesse sentido ele é uma revelação.
Mas tem também uma origem humana, pois foi e continua sendo enriquecido, trabalhado e burilado por espíritas cultos e dedicados que dão o melhor de si no aperfeiçoamento da obra.

• Carácter Progressivo
Um último carácter da revelação espírita é que, apoiando-se em factos, tem de ser, essencialmente progressiva como todas as ciências de observação. Por sua substância, alia-se à Ciência que, sendo a exposição das leis da natureza com relação a certa ordem de factos, não pode ser contrária às leis de Deus, autor daquelas leis.
O Espiritismo pois, não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas.
Kardec, a respeito desse carácter, emite vários pensamentos notáveis:
"Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará." [GEN-cap I,it 55]
"A melhor religião será a que melhor satisfaça à razão e às legítimas aspirações do coração e do espírito; que não seja em nenhum ponto desmentida pela ciência positiva, que em vez de se imobilizar, acompanhe a humanidade em sua marcha
progressiva, sem nunca deixar que a ultrapassem." [GEN-cap XVII,it 32]
"Se uma nova lei for descoberta, tem a Doutrina Espírita que se por de acordo com essa lei. Não lhe cabe fechar a porta a nenhum progresso, sob pena de se suicidar. Assimilando todas as ideias reconhecidamente justas, de qualquer ordem que sejam, físicos ou metafísicos, ela jamais será ultrapassada, constituindo isso uma das
principais garantias da sua perpetuidade."
[OP- 2ª parte]
Bibliografia e referências
a) [ESE] O Evangelho Segundo o Espiritismo - Allan Kardec
b) [GEN] A Génese - Allan Kardec
c) [OP] Obras Póstumas - Allan Kardec
d) A Caminho da Luz - Emmanuel/Chico Xavier
e) O Consolador - Emmanuel/Chico Xavier
f) Evolução em Dois Mundos - André Luiz/Chico Xavier - Waldo Vieira
g) Cristianismo e Espiritismo - Leon Denis
h) Cristianismo: A mensagem esquecida - Hermínio Miranda